Moda, pagamentos e mais aquisições: os próximos passos do Magazine Luiza

O Magazine Luiza apresentou um crescimento de 81% nas vendas e de 148% no comércio eletrônico. Em entrevista ao NeoFeed, Frederico Trajano, CEO do Magalu, comenta o resultado do terceiro trimestre e fala sobre as prioridades de 2021.

Frederico Trajano, CEO do Magazine Luiza

Durante a apresentação dos resultados do terceiro trimestre da B2W, dona das marcas Americanas.com e Submarino, os analistas questionaram de forma insistente a taxa de crescimento das vendas da companhia, que havia crescido 56% e atingido R$ 7,2 bilhões em seu terceiro trimestre de 2020.

Pacientemente, Raoni Lapagesse, diretor de relações com investidores, respondia que ela estava acima do mercado. No período, o e-commerce havia crescido 45%, segundo dados da e-bit.

Mas estava implícito, nos questionamentos dos analistas, que apesar de boa, a expansão da B2W não havia sido suficiente.

Essa desconfiança ganhou cores vivas com a divulgação dos resultados do terceiro trimestre de 2020 do Magazine Luiza. As vendas totais da empresa cresceram 81%, atingindo R$ 12,4 bilhões.

O e-commerce, por sua vez, teve um salto ainda maior: 148%. No período, o Magazine Luiza vendeu R$ 8,2 bilhões pelo seu canal online, o que representou 66% das vendas totais da companhia.

“Quando você olha especificamente à venda online, ela entrou em outro patamar a partir da pandemia”, disse Frederico Trajano, CEO do Magazine Luiza, em entrevista ao NeoFeed. “E obviamente o Magalu era uma das empresas mais preparadas para capturar o share nessa pandemia.”

Nesta entrevista, Trajano fala das prioridades do Magazine Luiza. Apesar de dizer que a lista é grande, ele se aprofunda mais sobre a área de moda e beleza e a de pagamentos.

Na primeira, a aposta será na Zattini e na Época Cosméticos. Na outra, o investimento é no MagaluPay, que já conta com 2 milhões de usuários e será essencial para a estratégia do PIX, o sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central, que estreia em meados de novembro.

“A Zattini, na Netshoes, sempre foi um ativo secundário. Estamos criando um time de especialistas e fazendo investimentos na ampliação de fornecedores”, diz Trajano. “Vamos trabalhar também com marca própria e com importação.”

Sobre o PIX, Trajano é mais reservado. “Vamos atuar fortemente. Acabamos de lançar a conta digital agora. Mas primeiro precisamos formar a base para depois usar o PIX”, afirmou. “O que estamos fazendo agora é aumentar a base e aí vamos virar a chavinha e ter essas opções prontas no começo do ano que vem.”

Trajano comenta também a política de aquisições. Nos últimos dois meses, o Magazine Luiza anunciou oito compras. Ele assegura que outras mais devem acontecer. “Existem ainda muitas oportunidades dentro dos nossos pilares estratégicos”, diz o CEO do Magazine Luiza.

Confira os principais trechos da entrevista:

O que explica esse resultado trimestral?
Quando você olha especificamente à venda online, ela entrou em outro patamar a partir da pandemia. O que a pandemia fez foi catalisar e acelerar esse processo. Muita gente que comprou pela primeira vez vai seguir comprando. A tendência da penetração do e-commerce no Brasil é chegar mais próximo a níveis de países mais desenvolvidos. Na China, a penetração do e-commerce é de mais de 30%. Nos EUA, é de mais de 20%. E obviamente o Magalu era uma das empresas mais preparadas para capturar o share nessa pandemia. A nossa operação multicanal proporciona um nível de serviço muito alto. Estamos fazendo quase 50% das entregas em até um dia. Ganhamos muito share. Pela primeira vez, publiquei ganho de share para mostrar que, no nosso caso, além do efeito da pandemia e do coronavoucher, ganhamos 5,4 pontos de market share pela GfK. E isso não é nem online. É online e offline.

Neste trimestre, 66% das vendas foram pelo canal online. É um percentual bastante alto. Ele vai se manter neste patamar ou vai ser algo circunstancial por conta da pandemia?
No segundo trimestre, em que as lojas estavam fechadas, o online representou 78%. Então, neste trimestre, ele caiu porque reabrimos as lojas. Mas já é um número bem maior do que no primeiro trimestre, que era de 50% de online. Não tenho meta de share de e-commerce. Para mim, o importante é o negócio como um todo crescer, porque acredito muito no modelo multicanal. Nenhum executivo aqui tem meta para share de e-commerce. Mas eu acredito que, no Brasil, o crescimento está sobretudo no online. E o e-commerce não volta atrás. Ele acelerou e entrou em um novo patamar. Para mim, o crescimento no e-commerce vai ser sustentável. Talvez não nessa proporção de crescimento, mas vai seguir crescendo e vai ser cada vez mais relevante para o nosso resultado.

“Acredito que, no Brasil, o crescimento está sobretudo no online. E o e-commerce não volta atrás. Ele acelerou e entrou em um novo patamar”

Quanto o e-commerce passa a representar do varejo brasileiro?
A gente sai da pandemia de 5% para 10%. Esse número vai continuar crescendo nos próximos anos. A experiência do consumidor com o e-commerce, nesta pandemia, foi muito positiva. E a prova disso é que a gente reabriu as lojas e o e-commerce praticamente não desacelerou.

Ao longo do segundo trimestre, o Magazine Luiza fez oito aquisições. A empresa vai manter esse ritmo e quais setores interessam?
Venho falando há algum tempo: tivemos um sucesso enorme em digitalizar uma companhia analógica e adotar um modelo multicanal. O nosso próximo passo é digitalizar o varejo brasileiro. Esse é o nosso novo desafio. Queremos levar esse modelo multicanal para outras empresas do varejo brasileiro. E para isso estamos montando um ecossistema e uma plataforma. E estamos complementando esse ecossistema com aquisições. O Canatech e a Inloco Media são para a área de advertising. A ComSchool é para capacitação de sellers e para empreendedores digitais. A GFL e a SincLog aumentam a nossa capacidade de fazer entregas para sellers, principalmente de courier. A Hubsales ajuda a indústria a vender direto pelo e-commerce. A AIQFome ajuda a aumentar a frequência do superapp e digitaliza restaurantes. A Stoq é um PDV que faz com que um lojista físico venda online. São todas aquisições que se complementam e são peças do quebra-cabeça do nosso ecossistema digital. Elas se encaixam perfeitamente.

O Magazine Luiza está com o caixa cheio. Vão seguir comprando?
Sim, sem dúvida. Existem ainda muitas oportunidades dentro dos nossos pilares estratégicos: crescimento exponencial, novas categorias, superapp, entrega mais rápida do mercado (logística) e o Magalu as a service, que é a plataforma em si. Dentro desses cinco pilares estratégicos, startups que complementem e ajudem a gente a implementar a nossa estratégia certamente vão ser consideradas. E até empresas maiores. Vamos continuar investindo bastante.

Na última teleconferência, você disse que o mercado ia se surpreender com as aquisições. Ainda haverá surpresas?
Vieram oito empresas em dois meses. E vai de uma escola de negócio digital (ComSchool) até um delivery de comida (AIQFome). Para mim, é importante que o mercado entenda a nossa direção. Pelo menos, a direção macro. Agora, eles vão se surpreender menos, porque provamos que podemos comprar qualquer tipo de empresa que se encaixe numa estratégia como essa. Quando a gente falava em uma estratégia de aquisições, dez anos atrás, todo mundo pensava que íamos comprar uma empresa exatamente igual a nossa, mas em outra região. Hoje, somos um ecossistema digital. Vamos continuar comprando empresas que não são óbvias, mas que fazem total sentido para a nossa estratégia.

“Vamos continuar comprando empresas que não são óbvias, mas que fazem total sentido para a nossa estratégia”

E o ritmo vai ser esse do segundo trimestre?
Depende. Se surgirem várias empresas espetaculares e com empreendedores fantásticos como esses, sim. Lembrando que falamos muito mais do que com essas oito empresas. Sempre fazemos uma análise econômica e financeira. Fazemos ainda uma análise tecnológica e uma análise das pessoas. Se encontramos essa combinação e ela se encaixa nos cinco pilares, vamos fazer a aquisição. Mas não é fácil. É um crivo alto. A gente precisa gostar das pessoas, a área de tecnologia precisa aprovar e a área de negócio precisa concordar com o valuation. É uma combinação de fatores.

A MagaluPay atingiu 2 milhões de contas. O que esperar dessa área de serviços financeiros?
Qualquer plataforma de varejo tem que ter três sustentáculos: logística, o varejo em si e pagamentos. Se você olha as plataformas chinesas, elas têm essas características. O Alibaba tem essa sustentação. O pagamento é superimportante. Chegamos a 2 milhões de contas porque apostamos em um modelo de integrar a conta ao nosso superaplicativo. E para ter o superapp, você precisa ter o cara usando todo dia. E a conta digital e de pagamentos faz parte disso. Assim como o delivery de comida. Você precisa desenvolver features para fazer o cliente entrar não só todo mês, mas todo dia. Essa é nossa obsessão. Estamos criando essa área. O PIX agora é um pilar superimportante.

Como o Magazine Luiza vai atuar no PIX?
Vamos atuar fortemente. Acabamos de lançar a conta digital agora. Mas primeiro precisamos formar a base para depois usar o PIX. O que estamos fazendo agora é aumentar a base e aí vamos virar a chavinha e ter essas opções prontas no começo do ano que vem.

Você pode comentar mais alguma coisa sobre o PIX?
Prefiro que não. O nosso approach é estratégico.

E como está o processo de integração com a Netshoes?
Já está concluído. O Marcio (Kumruian, fundador da Netshoes) foi para o nosso comitê de estratégia. Fizemos a integração do catálogo. Ela está praticamente no breakeven. Agora, estamos fazendo investimento mais pesado na Zattini, que veio também da Netshoes. Contratamos uma nova diretora executiva, a Silvia Machado, que veio da Arezzo. Ela vai tocar toda a Zattini junto com a Época Cosméticos na categoria de fashion and beauty. E vamos fazer vários investimentos para essa plataforma crescer. É um mercado endereçável bem maior do que o esportivo.

Que investimentos vocês estão fazendo essa área?
Agora, estamos estruturando e crescendo a equipe. A Zattini, na Netshoes, sempre foi um ativo secundário. Estamos criando um time de especialistas e fazendo investimentos na ampliação de fornecedores. Vamos trabalhar também com marca própria e com importação. É uma série de trabalhos para ser relevante na área de moda. Fizemos recentemente duas contratações de peso. A Silvia Machado, de moda. E o Robson Dantas, para pagamentos. São dois diretores executivos que estão encabeçando dois segmentos importantes para a gente. Uma em fashion and beauty. E o outro no Magalu as a Service, especificamente em pagamentos.

Posso concluir que são duas prioridades para 2021?
São duas das prioridades. A nossa lição é grande. Mercado é uma prioridade para a gente também. Logística é outra prioridade. Mas moda e pagamentos são duas das nossas top prioridades.

Você comentou sobre logística. E essa é uma área em que seus rivais estão fazendo investimentos pesados. O Magazine Luiza comprou também empresas nessa área. Como estão os investimentos?
Temos feito investimentos há muito tempo. Temos uma capilaridade, em função da nossa operação multicanal, que é difícil de ser batida. São mais de 1,1 mil lojas e mais de 20 centros de distribuição. Hoje, fazemos quase metade das nossas entregas em um dia. E vamos seguir acelerando. Neste último trimestre, compramos a GFL que aumenta em 50% a capacidade de entrega de courier da companhia e compramos a SincLog que é uma empresa de plataforma de tecnologia de operadores logísticas. Os investimentos não param por aí. Vamos continuar acelerando. Na verdade, quem está anunciando investimento agora está saindo atrasado. Estamos investindo há muitos anos e vamos acelerar.

“Quem está anunciando investimento agora (em logística) está saindo atrasado. Estamos investindo há muitos anos e vamos acelerar”

O Ministro das Comunicações, Fábio Faria, disse que o Magazine Luiza tinha interesse em participar da privatização dos Correios. Você comenta isso?
Não comentamos aquisição ou interesse. Mesmo porque sou uma companhia de capital aberto e, sem um comunicado ao mercado, não posso comentar.

O Magazine Luiza anunciou também um programa de trainee exclusivo para candidatos negros. A polêmica foi enorme, mas vocês não recuaram. Pretendem repetir essa estratégia no próximo ano?
A empresa faz as coisas com muita convicção. Foi um processo muito amadurecido internamente. Não seria um tipo de atividade em rede social contrária que iria mudar a nossa posição. Temos hoje 54% da nossa população preta e parda e só 16% em cargos de liderança. Nós temos um problema na minha visão – e na visão do nosso conselho de administração – e temos que resolver ele. Qual é o caminho mais rápido para se chegar à liderança? É o programa de trainee. A decisão simples e pragmática é: vamos fazer um programa de trainee exclusivamente para negros. Estamos pegando uma excelente safra de profissionais que foram beneficiados por ações afirmativas em faculdades federais e estaduais. Tem um contingente fantástico de pessoas extremamente qualificadas que está vindo aqui. Acredito muito que diversidade gera mais resultado. Estamos concluindo o processo, vamos chegar agora às fases finais de entrevistas. Eles vão ser entrevistados por todos os diretores executivos e por mim. Estamos com um nível altíssimo de candidatos. E, pelo andar da carruagem, faremos outros no futuro, sem dúvida.

Vocês pretendem, então, ter programas semelhantes a esse em 2021?
Está cedo para falar. Mas até agora está indo tudo muito bem. Precisamos testar para ver se fomos bem-sucedidos. Mas, com certeza, vamos manter ações afirmativas daqui para frente. E muito provavelmente o programa de trainees. Não quero comemorar o resultado porque a gente precisa não só selecionar boas pessoas, mas também treinar e integrá-las ao quadro. Mas estou muito confiante que vai ser bem-sucedido e que vamos repetir ele no futuro.

O lucro líquido ajustado no  terceiro trimestre subiu 70%, para R$ 215,9 milhões. O que explica esse desempenho: foi redução de custos?
Não teve corte de custos, teve diluição de custos. O que aconteceu é a consagração da multicanalidade. No segundo trimestre, foi só o e-commerce, com as loja físicas fechadas. No terceiro trimestre, a loja física voltou. E aí o nosso modelo multicanal voltou. Com todos os canais operando de maneira interconectada, você tem diluição de custo. O consumidor compra no site e retira na loja. Compra no site e manda a partir da loja. O mesmo caminhão entrega os produtos nos dois. Há muita sinergia na combinação dos negócios. E esse trimestre deixou isso muito claro. Somos de fato a única empresa que cresce nessa proporção e que gera resultado e caixa. A gente gerou R$ 800 milhões de caixa no trimestre. Por quê? Temos um modelo de negócio superior que é o da multicanalidade.

“O crescimento vai vir do marketplace. Mas ainda estamos no começo da festa. Não estamos no final”

Em uma entrevista, eu te perguntei se você queria ser uma empresa de varejo ou de tecnologia. Na ocasião, você me respondeu que de tecnologia. Hoje, você já é uma empresa de tecnologia?
Hoje, somos as duas coisas. Somos uma empresa de varejo. Temos ainda uma boa parte do nosso modelo de negócio que compra, estoca e vende. Esse modelo está se tornando um varejo potencializado pela tecnologia. E a parte do negócio que mais está crescendo é o marketplace. Ele é basicamente um componente mais puro de tecnologia. Ele tende a crescer mais daqui para frente. Olhado para frente, o crescimento da companhia vai se dar mais sob esse componente tecnológico, que é de plataforma e de ecossistema digital. As oito compras se enquadram aí (no marketplace). O que nos trouxe até aqui foi modelo de varejo 1P (venda própria). O crescimento vai vir do marketplace. Mas ainda estamos no começo da festa. Não estamos no final.

O Magazine Luiza apostou na estratégia multicanal há muito tempo. Hoje parece óbvio, mas lá atrás não era tão óbvio assim. Você acredita que o varejo brasileiro pratica a estratégia multicanal?
Quando se pega os resultados das empresas de varejo tradicional, elas sentiram muito o segundo trimestre e até o terceiro trimestre. Isso mostra que a plataforma delas não estava tão madura assim. Um bom exemplo é olhar para as empresas de capital aberto, em que a grande maioria teve dificuldade de apresentar resultados. Especialmente aquelas que não são de produtos essenciais. Hoje, existem 5 milhões de varejistas no Brasil. Só 60 mil vendem online. É muito pouco.

FONTE: Neofeed, por Ralphe Manzoni Jr

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